A Devoção

28-04-2024
foto da minha íris
foto da minha íris
Eu sou filha de Maria ... e rodam as saias de todas as Marias.

Surgiu há pouco esta melodia de dentro de mim, vinda de um lugar íntimo e só, difícil de traduzir em palavras. Um lugar tanto vazio como repleto. A música, a poesia, uma certa erudição no gesto cantado, o Belo, é como que um modo subtil de trazer à materialidade esse lugar - íntimo e só. 

Apaixonada por desafios que me levaram a estudar música clássica, a ler Marcel Proust e Agostinho da Silva, tenho uma mente desperta à questão. Mas não estudo ou leio para saber, antes para ser tocada por algo que me comova e me mostre uma interioridade que tanto explode como emudece. Desejosa de encontrar palavras como as de Goethe que operam para lá dos limites humanos, que me dão um sabor a eternidade quando as leio, há como que um instinto de sobrevivência da Alma em mim que me faz buscar na Arte respostas à questão.

Na inefável inteligência do coração há uma outra mente onde estão guardadas memórias dentro de memórias, mundos dentro de mundos, registos akáshicos, toda uma biblioteca cósmica, e um plano, um ponto que é círculo perfeito, morada de nada, absolutamente nada, o mais pleno vazio onde eu não existo, e, no entanto, simultaneamente, e em irmandade gémea, há outro ponto e círculo perfeito, onde entoam as melodias das esferas e onde vibra a DEVOÇÃO. Qualquer ser que se adentre naquele primeiro vazio sente medo ou desconforto, ali não há nada para fazer, nada! Na sua intelectualidade, o ser humano define isto como perigoso, e é natural que assim seja pois a nossa mente tem como função vital mover-se, fazer, e se não faz, desfaz-se em dramas infindáveis! Mas para além do intelecto, dentro do Coração, há um estado que nos permite simplesmente entregar tudo para experimentar esse "não movimento", mas para o tocar, há que tocar todos os pontos de dor e desaparecer - Desaparecer por completo sem deixar rasto. E quando digo isto, sinto dentro do meu coração uma emoção que é simultaneamente lágrima e brilho inocente e leve. E é então que os 2 pontos e os 2 círculos se unem ... A Alquimia da Paz! O intelecto não teme e o Ser estremece em êxtase perante o divino!

Quando a mente aprende a articular conceitos e a traduzir estados íntimos e alheios, o mundo interno mescla-se com o externo, e à luz do filtro da mente da persona, torna-se muito difícil ter discernimento acerca do que é realmente "o interior", o Eu ... daí a máxima ... Conhece-te a Ti mesmo e conhecerás a Deus. Há tanto sofrimento que advém desta confusão! Não agir de acordo com a natureza própria e sim com o que o outro define como o próprio é fonte de muita dor! O estado de Devoção é como que um mapa emocional que nos leva ao interior ... ao Ti mesmo, sem recurso qualquer ao exterior! O exterior é apenas uma parte de Si!

Falar sobre emoções é fascinante na Escola Voz da Terra. Entender a emoção como um fluxo de "água" magnética reagindo a impulsos eléctricos para os dissolver é uma forma de desmistificar estados difíceis de gerir. Se entendemos o que é a energia, entendemos o que é a emoção, e entendemos a sua impermanência, a sua natureza maleável e a sua função: a vivificação do corpo, o preenchimento absoluto da experiência de vida! Isto é extraordinário, não há corpo de dor que não seja simultaneamente corpo de Luz! A questão prende-se apenas com o tipo de percepção que desenvolvemos e o tipo de relação que temos com os ditos incómodos ... olhamos realmente a dor e o seu princípio? E depois de a ver, temos como olhar para outro lado ou todos os nossos recursos estão retidos no escrutínio da dor e da culpa que ela traz? A Devoção vira-te o rosto e diz-te ... olha o tanto que podes fazer com tanta energia!!! Na Escola Voz da Terra contemplamos a emoção como energia "descaracterizando-a" e envolvendo-a na devoção que te coloca no plano acima da percepção dual. Estás na 3º dimensão e simultaneamente nas dimensões onde não existe antagonismo.

A Devoção em mim, toca-me diretamente nos rios emotivos, fazendo correr no meu sangue, na minha corporalidade, quantidades exorbitantes de lampejos ... confirmações de Mim para Mim, alegrias espontâneas, uma criança de olhos postos numa libelinha ou um ser que chora para ser um Ser do Mar. Sou caranguejo, com Lua em peixes, Marte e Mercúrio em caranguejo, Urano e Lilith em escorpião e para dar a tudo isto efervescência, uma maravilhosa Vénus em Leão ... definitivamente sou do clã das águas e estou muitas vezes na ebulição do encanto. Mover-me entre emoções, chorando-as, rindo-as, fazendo delas cânticos e moradas do inimaginável é tanto, tanto na minha vida! Não admira pois que traga comigo memórias e traços que me enlevam e que me atiram ao chão, ao poço na verdade ... mas uma e outra coisa, ao longo da minha vida, sempre me levou a um único lugar ... o ponto e o círculo perfeito: a Devoção. 

Sentir devoção por algo, é em última instância sentir devoção por si, é o que sinto, o rumo da devoção é o Um, e é então que entendes o outro como parte de Ti! Assim senti também a voz da Magdalena dentro de mim: vê o outro como parte de Ti! Há tanto mistério e tanta verdade nesta frase! 

Por isso, a devoção nunca atende a um objecto exterior, é sempre um ponto bem firme dentro da dimensão mais estranha e desconhecida dentro do Ser. A consequência da devoção é de verdade a Alegria, porque o desprendimento é um continuum no seu espectro mais alargado, não tens como ficar apegado a nada! O próprio Nome que se adora desaparece nesta água cósmica e o que surge é a jóia, o outro e tudo dentro de ti! 

Quando se busca o autoesclarecimento, a tradução do intelecto é-nos fundamental, porém contudo, há sempre que ter em conta como nos relacionamos com o que não sabemos. É fácil lidar com aquilo que não se sabe?  É aqui que a devoção é plataforma de salvação e em última instância o estado em que o saber é apenas um dos "multiverbos" na existência. 

A nossa linguagem é extremamente limitada, não tem como traduzir ... ainda ... determinados aspectos do corpo subtil. Precisamos de definir outros sentidos para além dos 5 sentidos primários, precisamos dar nome à mente que habita o coração, sendo esse nome depois um amplo campo de exploração. Assim como o Amor é um substantivo com um amplo campo de exploração semântica, também outras palavras precisam ser ancoradas na materialidade do coração para desenvolver a comunicação numa perspectiva mais subtil, e é aqui que o Sagrado Feminino também nos "educa" .. ou melhor, deseduca.   

As novas palavras, estas do Campo Feminino Universal, não lutam para sobreviver, elas movem-se criando-se e destruindo-se naturalmente e sem noção de perda. As novas palavras reduzem o saber a uma pequena face da linguagem. É que para além do "saber" há muito, muito mais a descobrir! Tanto!!!  

O que posso dizer agora relativamente a essas novas palavras é que quanto mais o nosso coração estiver aberto à devoção, menos cairemos na percepção fatalista do mundo, pois há uma inteligência que, observando o facto, sabe qual a melhor fonte energética para assumir o melhor gesto sobre o facto ... sendo que, o melhor gesto é sempre o novo, nunca o do passado ... atrevo-me a dizer que, quando os humanos integrarem em si a Lei Cósmica da Novidade, que atende à Chama da Ressurreição e da Vida, que atende aos Ciclos da Natureza, não haverá palavra que possa reter um facto na mesmice do mesmo ... ele transforma-se em múltiplas formas de resolução - ele transforma-se em formas espiraladas - em Paz Mariana. Há muito de "científico" neste grau de misticismo diria, e só a aplicação do mesmo na própria vida é que poderá alguma vez validar o seu valor.

Simplificando tudo isto que parece complexo, mas não é, falo da Integração de todos os corpos, falo da esfera intuitiva, da energia feminina. Facto é que, quando canto e me entrego à Lei da Novidade, ao momento sem plano, ao instante nu e despido, o meu estado de devoção renova-me. A minha mente não adormece em dogmas semânticos, a minha mente espanta-se com o que o corpo sente, pois o corpo é Inteligência! A devoção é enfim Corpo. Um Corpo que sente, uma mente que se abre e esclarece, renovando-se até à mais ínfima partícula. 

E termino este texto dizendo que não há paixão maior do que esta na minha vida - a nova palavra, a nova canção, a Novaterra.